Fim do Foro Privilegiado? Câmara analisa proposta para restringir benefício a autoridades

07-05-2018

Nova PEC pode alterar drasticamente o julgamento de políticos e outras autoridades, mas desafios ainda persistem

O Foro por Prerrogativa de Função, conhecido como "Foro Privilegiado", pode finalmente vir a ser alterado no texto da constituição brasileira. No último 04 de maio, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) mandou instalar a comissão especial para analisar o mérito da proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe o foro de autoridades dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A resolução foi tomada em seguida da votação, no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre mudanças na condução do julgamento de eventuais crimes cujos réus estejam no cumprimento de seus mandatos.

No entendimento firmado pela maioria do STF, no caso de deputados federais e senadores, o foro privilegiado só deve valer para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo. A nova PEC restringe o foro especial para crimes cometidos por deputados, senadores, prefeitos, governadores, ministros de Estado, integrantes de tribunais regionais e federais, juízes federais, desembargadores, membros do Ministério Público e dos Conselhos de Justiça e do Ministério Público, ministros de tribunais superiores, embaixadores e comandantes das Forças Armadas. Apenas os presidentes da República, do Congresso e do Supremo continuam a ter o foro para todos os tipos de processos. No entanto, a resolução do caso deve ficar para o próximo ano, pois com a intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro, nenhuma PEC pode ser votada no plenário da Câmara dos Deputados.

Na atual aplicação desse foro especial, tais autoridades, se cometerem qualquer tipo de crime, estarão submetidas exclusivamente aos tribunais de instâncias superiores. A questão vem sendo discutida incessantemente pela mídia e é assunto constante nas mídias sociais. A Consultoria Legislativa do Supremo Tribunal, maior instância da Justiça Brasileira, afirma que, atualmente, cerca de 55 mil pessoas usufruem desse benefício no país. Em outros países, o Foro Privilegiado é utilizado apenas por cargos políticos chave, como presidentes de Câmara e de Senado, protegendo essas lideranças de perseguições políticas pelo fato de serem julgadas por tribunais isentos.

Segundo informações do Portal G1, até 1999, a prerrogativa do Foro Privilegiado valia além do prazo final do exercício funcional de mandatos. O caso do ex-presidente e hoje senador por Alagoas, Fernando Collor de Melo, é um bom exemplo. A lei garantiu que Collor fosse julgado pelo STF pelo crime de corrupção passiva, do qual foi absolvido por falta de provas. A mudança dessa regra, motivada pelo caso, permitiu que o processo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva fosse julgado na justiça comum. Lula está preso desde o último dia 07 de abril em Curitiba, condenado à doze anos e um mês de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do tríplex do Guarujá. O presidente Michel Temer, pelo exercício da função incluído no Foro Privilegiado, possui acusações mas, para essas serem julgadas, precisam do aval da Câmara Federal, que já negou duas delas.

Quanto à extinção, a continuidade ou a possíveis restrições no Foro Privilegiado, especialistas em Direito têm diferentes opiniões. O Desembargador aposentado José Octávio de Brito Capanema, 81, atualmente defende um mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que versa sobre este assunto. Ele afirma que o chamado Foro Privilegiado é um desserviço à democracia no Brasil por favorecer acusados, que acabam por sair impunemente dos tribunais após cometerem delitos. No caso atual, se a autoridade, na posição de réu, venha a ser julgada pelo STF ou pelos tribunais de justiça comum, o advogado diz: "O que interessa não é se a pessoa vai ser julgada por A, B ou C, mas é o resultado da jurisdição, é o que vai acontecer com esse cidadão contra quem pesa uma acusação e se ele vai sair, posto na rua para brincar e passear, ou se ele vai para a cadeia. Então, o que interessa é se foi feita a justiça ou se não foi. Em relação à sociedade, o que interessa é que a justiça seja feita".

O magistrado ressaltou que o uso da expressão Foro Privilegiado é incorreta. "Um cidadão comum tem direito a mais recursos de defesa na justiça regular. Outro aspecto relevante é que, fora desse regime especial, o acusado pode ser julgado por um estranho. Já a pessoa com o privilégio, além de ter menos recursos de defesa, pode ser julgada por colegas que já o conhecem, no caso, por exemplo, do Poder Judiciário. Este fator pode ser bom ou ruim para qualquer réu incluído no foro especial, pois acaba que a subjetividade de cada juiz entra em questão, a qual, muitas vezes, é determinante em sua sentença, seja ela positiva ou negativa", concluiu.

"Que a justiça seja feita"

O Juiz da Primeira Vara Cívil do Fórum Augusto de Lima, Dr. Kleber Alves de Oliveira, possui mais de doze anos de atuação em Comarcas de Minas Gerais, e a cerca de dois anos atua na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ele afirma que a extinção ou restrição do Foro poderá trazer agilidade às dezenas de milhares de processos que estão parados atualmente nas inúmeras instâncias da justiça. "Tanto no Poder Judiciário quanto no Congresso Nacional há propostas de mudanças quanto ao Foro Privilegiado. Se efetivamente acontecer, me parece que é um anseio da sociedade. Com a extinção do Foro ou a redução para uma quantidade bem menor de cargos públicos nele incluídos, que essa redução traga efetividade e celeridade ao julgamento dessas autoridades envolvidas em crimes comuns. O que se vê é que os Tribunais Superiores estão abarrotados de ações e as missões constitucionais acabam por alcançar grande parte do tempo, dificultando o acesso e a finalização de processos penais", afirmou o juiz.

E concluiu. "A gente vê por outro lado que a justiça de primeiro grau, essa justiça em que a maioria das pessoas é submetida, tem uma agilidade maior quanto à quantidade de processos que tramitam nas varas. Mas a mim me parece que a extinção do Foro, a sua mitigação ou redução para uma quantidade bem inferior de autoridades trará celeridade aos processos postos a julgamento".

O FORO PELA IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO

Já o advogado Rodrigo Corrêa, 36, afirma que algumas autoridades necessitam de fato do Foro Privilegiado, mas para a maioria dos cargos este benefício deve acabar. "O Foro serve para proteger a função que aquela pessoa exerce, tanto é que quando perde a função deixa de ter o Foro por Prerrogativa de Função. Foi criado para que as pessoas que exercem funções importantes não sofram pressões de outras pessoas. Por exemplo: um prefeito de São Paulo, que é uma cidade enorme, se ele fosse julgado por um juiz de primeiro grau, imagina a pressão em cima desse juiz para julgar? Então, o legislador determinou que o prefeito tem que ser julgado pelo Tribunal Superior, tirando a pressão sobre isso", disse.

Corrêa ainda salientou que existem abusos, e por isso o Foro deve ser revisto. "Quando eu não tenho Foro por Prerrogativa, eu seria julgado primeiro por um juiz de primeira instância, depois pelo Tribunal, depois pelo STJ. O presidente, por exemplo, só passa pelo STF. Ele não tem uma chamada Terceira instância para recorrer. Se deferirem a denúncia, não há mais a quem recorrer. A questão principal que eu vejo na mídia nem é o Foro, é a morosidade da justiça, pois a mídia só mostra os julgamentos que ocorrem no STF. O Superior Tribunal Federal é composto de onze ministros. Todas as ações do país "caem no colo" de onze ministros. E aí quando eu tenho um Foro por Prerrogativa de Função para julgar o presidente, o senador ou o deputado, o STF não tem nem estrutura para fazer testemunha, perícia para uma investigação coerente, então demora. Mas a questão não é o Foro, e sim a estrutura do Judiciário", afirmou.

O advogado concluiu: "Eu acho que tem abuso, mas em algumas funções o Foro por Prerrogativa de Função é necessário para proteger aquele servidor, pois imagine a pressão em cima de um juiz, um prefeito, um promotor e o colega dele ter que julgá-lo sozinho? O Foro é necessário em alguns casos mas tem que extinguir em algumas situações. Mas o que a sociedade mais demanda é a celeridade, eles confundem a parte da celeridade com a desnecessidade do Foro de Prerrogativa de Função".

"Quanto maior a atuação, mais o servidor é infernizado"

O Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais Dr. Mário Drummond Rocha afirmou que o Foro Privilegiado foi "demonizado" nos últimos tempos. "O Foro por Prerrogativa de Função não é um benefício. O país tem hoje cerca de cinco mil juízes, muitos deles julgam causas que contrariam interesses poderosos. Se não houvesse o Foro, essas pessoas seriam citadas em processos em vários lugares, o que dificultaria, e muito, a defesa destas mesmas pessoas. Com o Foro, essas pessoas serão julgadas por um colegiado de pessoas idôneas, que foram preparadas ou indicadas para isso. Para agir com independência, algumas pessoas que exercem esses tipos de função precisam de garantias como estas para trabalhar. Quanto mais atuante é o servidor, mais ele é infernizado", disse. O Procurador continuou: "Crimes cometidos por autoridades são pontuais. Se eles já exercem o cargo, eles devem ser julgados pelos Tribunais Superiores, para que seja averiguada a procedência ou não das denúncias. Não por causa da lisura dos ministros, mas sim pela estrutura do tribunal que traz transparência ao processo", concluiu.

A equipe do Conecta realizou entre os dias 11 e 16 de abril uma pesquisa que contou com a colaboração de 170 pessoas. O objetivo da pesquisa foi saber se essas pessoas sabiam o que é o Foro Privilegiado e se eram contra ou a favor. Responderam à pesquisa pessoas de diferentes idades. A conclusão foi que 18,2% delas não têm conhecimento algum sobre o assunto, 20% acreditam que o benefício deva ser limitado e 61,8% afirmam que este privilegio não deveria existir.

Por: Bruna Lima, Catherina Dias, João Eduardo Santana, Juliana Correa, Lizandra Andrade, Pietra Pessoa, Pollyana Gradisse, Silvânia Capanema e Vitória Marques

Publicado no Conecta

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