MLB ocupa prédio no Centro de BH e acende debate sobre a questão da moradia

24-05-2018

Ocupação Carolina Maria de Jesus revela a força da organização popular na busca por direitos

Créditos: Vitória Marques
Créditos: Vitória Marques

O edifício de propriedade da Fundação Sistel de Seguridade Social, situado na Avenida Afonso Pena, 2.300, ganhou nova utilização desde a madrugada de seis de setembro do ano passado.

Em plena véspera de feriado da Independência do Brasil, algumas famílias ocuparam o prédio, anteriormente alugado para a Secretaria de Estado da Saúde e fechado desde 2010, transformando-o em espaço de moradia. Enfrentando o preconceito da vizinhança e ações de reintegração de posse, a Ocupação "Carolina Maria de Jesus" segue firme na luta por direitos iguais para todos os cidadãos. A equipe do Conecta esteve no local e conversou com a moradora Ana Cristina Silva, 37 anos, coordenadora responsável pela segurança da ocupação e participante ativa do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).

"Nós ocupamos para fazer cumprir a função social pois a gente sabe que tem muitas famílias que foram despejadas ou que não conseguem pagar aluguel. Trazemos essas famílias e ocupamos os espaços. Mesmo quando a família consegue moradia, a nossa luta continua pela saúde e por todos os nossos direitos", disse Cristina, que ainda afirmou: "A gente que é da periferia também tem direito às coisas boas do centro urbano".

A primeira luta dos ocupantes do prédio foi contra os moradores e comerciantes que não aceitaram ter como vizinhos gente da periferia. A coordenadora explica que hoje a situação mudou. "A maioria do pessoal aqui do Centro não gostava da gente no início, mas hoje em dia acho que conseguimos conquistar uma parte deles. O pessoal da lotérica nos trata bem. Os funcionários do supermercado (Super Nosso, a cem metros), eu acho até que aumentaram suas vendas desde que chegamos aqui, nos ajudam com caixas de leite e mercadorias", conta.

"Estamos aqui em busca de moradia e a nossa luta não acaba quando a gente consegue a casa. A nossa luta continua. A gente luta pela saúde. A gente luta por todos os nossos direitos. [...] Nós da periferia também temos direito a cidade"

Ana Cristina relata ainda que já tentaram retirar as famílias com ação judicial, mas que não deixarão o imóvel. "Vamos resistir, pois vamos para onde? Para a rua?", indaga. A água também já foi cortada, porém, foi feito um protesto pela linha de frente composta pelas crianças e retornaram com o fornecimento. Diante desse tipo de situação, elas vão para a frente do prédio, cantam e gritam palavras de ordem. O resultado tem sido positivo pois hoje existe uma negociação com as fornecedoras como a Copasa e a Cemig. Até empresas particulares colaboram, sem custo. Um exemplo é a representante da Otis, que cuida da manutenção dos elevadores.

A vida em comunidade

Saber viver em comunidade é a condição principal para residir na ocupação. A maioria da população é negra e com baixa escolaridade. Mulheres são maioria. Há casados, solteiros e amasiados. Além disso, alguns dos relacionamentos surgiram dentro do prédio.

Atualmente são dez idosos e a quantidade de crianças quase se iguala ao número de adultos. As crianças estudam nas escolas públicas vizinhas e apenas três ainda estão fora da escola este ano. Indagadas sobre como é a vida na comunidade, as crianças responderam que gostam muito de morar no Centro porque podem passear no parque e que a vida na ocupação é feliz porque têm muitos amiguinhos, fazem oficinas de arte e participam de muitas brincadeiras. Boa parte dos adultos tem trabalho remunerado e os demais seguem na luta diária à procura de um emprego.

"Temos pessoas idosas, trans, lésbicas, gays. Recebemos todos de braços abertos. Não temos preconceitos"

Há um cadastro de moradores e uma portaria que funciona 24 horas com um livro que registra a entrada e saída de todos. Há regras determinadas pela coordenação que têm que ser obedecidas. Punições são corriqueiras e podem variar de uma simples advertência à expulsão do local. Uma lista com os nomes de infratores expulsos está exposta na entrada do prédio. Agressões contra mulheres não são toleradas em nenhuma hipótese. "Somos um movimento organizado", diz Ana Cristina Silva. "Temos as coordenações de cadastros, limpeza e segurança. Temos revezamento de pessoas em todas as horas do dia, inclusive na cozinha, que é comunitária. Cada morador ajuda com o que pode, com cestas básicas e outras coisas. Não queremos que aqui vire uma bagunça e por isso não aceitamos nenhum tipo de agressão, principalmente a de homens contra mulheres", explica. Todos são bem-vindos: "Tem idosos, tem trans, tem lésbica, tem gay, e a gente recebe de coração aberto", enfatiza Silva.

A ocupação mantém uma fila de espera para aqueles que desejam uma vaga no local. "No momento não estamos recebendo mais ninguém. Temos uma fila de espera pois algumas pessoas não conseguem viver no coletivo e desistem de ficar aqui. Aí chamamos quem está de fora para entrar. Na portaria temos uma lista de ex-moradores que aprontaram por aqui, agredindo mulheres ou causando confusões. Essas pessoas são banidas da ocupação".

As lojas dos dois andares térreos e a sobreloja são ocupadas por moradias e espaços para administração e lazer comunitário. Em cada pavimento vivem cerca de oito famílias (que variam entre três e sete pessoas). Cada uma tem seu próprio espaço separado por circulação e paredes de madeirite. É permitido lavar roupa nos andares, que secam nas janelas ou no espaço ventilado do térreo. Por questão de segurança, não é permitido fogão nos andares e todos convivem usando uma única cozinha e refeitório. Há um espaço aberto onde se cultiva uma horta. Mantimentos chegam por doação de cestas básicas de supermercados e sacolões. Estudantes (da Escola de Arquitetura da UFMG, a cem metros) são os principais doadores de roupas, livros e também organizam aulas para idosos e jovens que não terminaram o ensino médio.

Com cinco meses de ocupação, a vida dos ocupantes segue dentro da normalidade, inclusive com eventos realizados no próprio prédio. "Fazemos alguns eventos com a ajuda de apoiadores. Temos também a Biblioteca Social Selma Bandeira sendo organizada por dois estudantes, só com doações. Todo tipo de doação é bem-vinda e os coordenadores organizam bazares para a venda interna das coisas que chegam, principalmente roupas e brinquedos.

Créditos: Catherina Dias
Créditos: Catherina Dias

A questão política

Quando o assunto é política, Cristina afirma que nenhum parlamentar passou pelo local desde o dia da ocupação. Questionada sobre partidos políticos, ela afirma com convicção: "Nós não temos um partido político ainda. Até evitamos mexer com políticos porque eles só procuram a gente em época de eleição. Estamos lutando pela Unidade Popular pelo Socialismo onde eu posso ser uma vereadora ou onde qualquer morador pode ser".

"Nós vamos resistir"

Após resistir a mandados de desocupação, o grupo, que já soma entre oitocentas e mil pessoas, promete resistência. Sobre a possibilidade de um futuro acordo com a Sistel, proprietária do imóvel, para deixarem o prédio, Cristina diz: "Se tivéssemos garantias verdadeiras que conseguiríamos uma casa aqui no Centro, com os padrões deste prédio, até poderíamos sair daqui". Para ela, é dever do Estado fornecer meios de moradia dignos para todos os cidadãos. Mas é voz corrente que em ano eleitoral tais questões não são discutidas na esfera pública porque o Poder não quer se indispor com o eleitorado.

"Nós não temos um partido político ainda. Até evitamos mexer com política porque eles só procuram a gente em época de eleição. Estamos lutando pela Unidade Popular pelo Socialismo onde eu posso ser uma vereadora ou onde qualquer morador pode ser"

Créditos: Catherina Dias
Créditos: Catherina Dias

Parecer jurídico

Segundo o Dr. Arthur Thomazi Moreira, do escritório Barbosa, Castro e Mendonça Advogados Associados, especializado em Direito Imobiliário, a legislação brasileira garante o direito de posse ao proprietário de qualquer bem imobiliário em dia com os tributos obrigatórios por lei. "De acordo com a lei, é dever do proprietário cuidar de seu patrimônio e se acautelar contra possíveis invasões. A invasão é considerada uma ofensa ao direito de posse, sendo do direito do proprietário requerer a reintegração de posse na Justiça".

Quanto à ocupação de imóvel por população carente, como é o caso específico da Ocupação Carolina de Jesus, a ação de invasão pode ser considerada, de acordo com o advogado, de relevância social, devido ao número de pessoas abrigadas no imóvel que estava vazio. A situação configura a questão de direito de propriedade versus direito de moradia, que se enquadra no princípio de dignidade da pessoa humana. Ainda de acordo com o parecer do especialista, se de um lado a propriedade privada é um dos pilares no qual se fundamenta a sociedade capitalista e é protegida por lei pelo Estado, pelo outro lado é dever do Estado providenciar os meios para que todos os cidadãos tenham moradia digna. Diante dessa situação, mesmo que o Poder Judiciário, cumprindo ganho de causa do proprietário, estabeleça que o imóvel invadido deva ser desocupado, muitas vezes o Poder Público prefere não se indispor contra a sociedade.

No caso da Ocupação Carolina, empresas públicas ou público-privadas, como a Copasa e a Cemig, apesar de não receberem pelo fornecimento de água e energia elétrica, optaram por continuar a prestação do serviço, por serem considerados uma necessidade básica. Há ainda o interesse de marketing dessas empresas de parecerem simpáticas à população e, conforme a opinião pessoal do Dr. Arthur, "não vão comprar uma briga dessa envergadura a troco de tão pouco".

Por: Bruna Lima, Catherina Dias, João Eduardo, Juliana Corrêa, Pietra Pessoa, Pollyana Gradisse, Lizandra Andrade, Silvânia Capanema e Vitória Marques - 5° período / Jornalismo

Publicação no Conecta

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